sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Visitando a Lapônia e o Papai Noel no Ártico

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Foi Ano Novo em Amsterdã. O cheiro dos fogos se misturava ao de maconha na rua. Não que os holandeses e turistas fumem sempre, mas nesta noite de réveillon havia o bastante para confundir os cheiros. E olhe que aqui os fogos de virada de ano não são poucos. Parece festa junina. Há muitos milionários que, para além da festa paga pelo governo, fazem as suas próprias, então há fogos por toda a cidade. Além disso, aqui todo mundo parece virar criança e o que mais se vê são adultos jogando bombas na rua como se fosse a coisa mais divertida do mundo. A prefeitura remove todas as caixas de correios das ruas e as retorna no dia seguinte, pra evitar prejuízo.

A chuva, no entanto, sacaneava a festa. Caía mais do que o chuvisco costumeiro da capital holandesa, caía um verdadeiro toró. E frio de seus 5 graus, pois era inverno. Mas nada que removesse as pessoas da rua. Quem não estava ali, estava em bares, hotéis, restaurantes, ou fizeram como minha amiga geminiana que foi pra uma rave de armazém, celebrar um raveillon. Meia-noite ela me ligou dizendo que a polícia havia baixado na festa e dispersado todo mundo, pois não havia licença (dos bombeiros) pra ocorrer.

Da minha parte, passada a meia-noite e o principal dos fogos, fui me abrigar da chuva. Estava com alguns amigos e familiares que vieram me visitar em Amsterdã. Nosso 1 de janeiro não seria de lerdeza pós-festa em casa, mas um dia agitado. Nós tínhamos voo marcado de manhã para Helsinque, na Finlândia, e de lá à noite um trem até a Lapônia, mais ao norte, no ártico. Seria o começo de uma rota que também depois nos levaria à Rússia.

E assim começou o meu ano.  
Entrada de 2013 em Amsterdã, Holanda.
Fogos de réveillon em Amsterdã.
Noite da virada em Amsterdã.
Ao chegar na minha casa em Amsterdã, colocamos as roupas molhadas na secadora e dormimos algumas poucas horas. Às 9 da manhã estávamos no aeroporto, zarpando para a capital finlandesa, Helsinque.

Lá, àquela latitude da Finlândia, havia ainda menos horas de luz que em Amsterdã. Pôr do sol às 4 e pouca da tarde. Somem-se aí os dias completamente encobertos, e temos uma temporada bem escura. Em pleno feriado de 1 de janeiro, Helsinque então nos parecia quase uma cidade fantasma.
Fim de tarde em Helsinque, 1 de janeiro de 2013.
Só vimos pessoas na estação central de trens, onde chegamos com um ônibus do aeroporto. Demos algumas voltas nas ruas gélidas, escuras e vazias da cidade, mas passamos a maior parte do tempo na estação. Lá as pessoas tomavam café e circulavam. Uma nota: eu nunca havia visto tamanha concentração de andróginos, nem de pessoas com cabelo em cores tão diferentes (cor de rosa, verde claro, azul-calcinha), somadas a pessoas com piercings em lugares exóticos, tipo entre os olhos, acima do nariz. Nas quatro horas que passei na estação, contei três casais de lésbicas. Não estou recriminando nada disso, mas não deixou de chamar a minha atenção pelo contraste com os outros países. Eu ainda não havia visto esse nível de liberalismo em nenhum lugar do mundo.

Os finlandeses, em geral, são quietos, mas ciosos de suas identidades individuais. É uma sociedade rica e bem organizada, como o restante dos países nórdicos. Mas note que eles não são escandinavos. Os povos escandinavos, descendentes dos vikings (Noruega, Suécia, Dinamarca e Islândia) têm origens comuns, enquanto que os finlandeses são de outro grupo étnico e linguístico. Têm um rosto meio quadrado, e a maior proporção de loiros(as) do mundo. Seus nomes, bem únicos, não são encontrados em nenhum outro lugar: ex. Taro, Pirkko, Marjo [lê-se Mário] para mulheres, e Velli, LalliIsto para homens. A comissária no meu trem se chamava Tiia (juro que não estou inventando).
A estação central de trens em Helsinque, palco de minhas observações.
Á noite saiu o nosso trem de quase 12h horas até Rovaniemi, a capital da Lapônia. A Lapônia, a conhecida terra do papai noel, é um lugar real. É a província mais ao norte na Finlândia, e representa um terço do país. Quase toda ela se encontra acima do Círculo Polar Ártico, daí a ideia de que o Papai Noel vive no pólo norte.

As lendas da origem do mito do Papai Noel são várias. A principal é sobre o bispo (depois canonizado) São Nicolau, que viveu na região da Lícia (na atual Turquia) no século IV e que ajudava os pobres. Se diz que ele punha moedas de ouro nos sapatos dos pobres como caridade. Ele sempre foi e continua muito popular no leste da Europa. Acredita-se que, na cristianização da Europa nórdica e germânica, suas histórias se misturaram com as lendas de inverno, especialmente com o festival pré-cristão de Yule, que a Igreja sabidamente procurou associar com o nascimento de Jesus Cristo, o Natal. Nessa época, dizia-se, o deus Odin saía numa procissão pelos céus em caçada (daí a ideia de o Papai Noel sair voando de trenó). O toque final foi dado pela Coca-Cola no final do século XIX nos Estados Unidos. Para sua propaganda, transformou os trajes amarelos de bispo em vermelhos, e a figura de São Nicolau (que não era gordo) na do "bom velhinho" atual.
Papai Noel moderno, adaptado pela propaganda da coca-cola.

Eram umas 10:30 da manhã quando chegamos. Estava ainda acabando de amanhecer.
Parada de trem em Rovaniemi. A sensação é de que você está  desembarcando do Expresso Polar, do filme, ou em Nárnia antes do degelo.
Rovaniemi, capital da Lapônia.

Não sei aonde as pessoas iam com tantas malas, pois não há quase nada na cidade. A estação de trem se resume a uma sala de espera e a um restaurante que só fica aberto até o fim da tarde. Avistei uns asiáticos e deduzi que estavam ali pela mesma razão que nós, a única razão que traz turistas à Lapônia: ver a Vila do Papai Noel.

Um ônibus urbano comum pára no meio de um campo de neve, e leva as pessoas até lá  o famoso ônibus n. 8, apelidado de "Santa Express". Fizeram a Vila bem onde passa o Círculo Polar Ártico, que se torna mais uma atração. Não chega a ser grande como um parque temático, e você deve estar preparado pra algo bem baseado em lojas, restaurantes, souvenirs, e essas coisas. Contudo, há também renas (de verdade), huskies pra te arrastar no trenó de cachorro, e é claro um fábrica de brinquedos do bom velhinho. (Acho que na verdade contratam vários velhinhos pra dar conta de tantos visitantes o dia todo).
Eu na linha do círculo polar ártico, com a latitude exata no chão. 
A Vila do Papai Noel na Lapônia (ao meio-dia)
Visitantes na vila.
Decoração permanente de Natal na Vila do Papai Noel. Mas, como ainda era 1 de janeiro, o espírito era autêntico.

A gente sabe que é um empreendimento capitalista, mas não deixa de ter uma magia natalina, no mínimo por toda a paisagem nevada e por você saber onde está. Não há custo de entrada, mas claro que tudo é caro, sobretudo se você quiser uma foto com o Papai Noel. E é claro que a criançada quer. E eu também quis (afinal, quantas vezes na vida você fará isso?).

O escritório do Papai Noel fica numa grande casa de madeira, de dois andares, que parece mesmo uma oficina de brinquedos no estilo que a gente vê em filmes americanos. Os funcionários tomam o seu nome e você forma fila, com um grupo limitado de pessoas a cada meia hora. No trajeto, outros funcionários vendem certos produtos que vão desde o clássico ursão de pelúcia até colares de joias, para os adultos. Mas você não recebe o produto na hora: vai recebê-lo mais à frente, das mãos do Papai Noel, que estrategicamente estará lá para surpreender sua criança com um "Espere. Eu tenho uma coisa aqui pra você".

Você não pode usar a sua própria câmera; se quiser a foto, tem que comprar a que eles tiram de você, mas vale a pena.
Entrada para a oficina do Papai Noel.
Eu, minha mãe e um primo com o bom velhinho.
Entra para a história, pra o álbum de família ou pra aquelas coisas que você põe no seu currículo como já feitas.

Outra delas que realizei aqui foi andar em trenó de cachorro, puxado pelos huskies siberianos (finlandeses, creio). Preferi eles às renas porque as renas me pareceram entediadas, puxando gente pra lá e pra cá, enquanto que os cães estavam animados e pareciam se divertir com a folia. São mais de 10 puxando um trenó de três pessoas.
Rena pra passear. Elas me pareceram meio descontentes com o que estavam fazendo.
Trenó de huskies. (Eles não têm a menor cerimônia em fazer você passar por meio de galhos, etc.)

Afora o que eu mostrei, dá sempre, é claro, para brincar de atirar bola de neve nos outros, deslizar dos morretes, etc. Quem achar que isso é só pra criança nunca se divertiu com a neve. No mais, uma hora dá fome e você pode comer por lá (pra os carnívoros, há carne de rena). No geral, é um dia bem passado, em que você se ensopa naquela atmosfera natalina. Só não perca o último ônibus, pois não há nada além de pinheiro e neve nos arredores. O escurecer (às 2 da tarde) não vai te ajudar muito a se orientar em relação ao tempo.
No meio do nada, na Lapônia.
Estava frio? Estava, mas não era o fim do mundo. Somente poucos graus abaixo de zero (já peguei -33 no Canadá, o que é muuuuuito diferente). Aqui só as mãos ficavam meio ardidas, mas num dado momento achamos uma fogueira, dentro duma casa de madeira, bem estilo lenhador, com um ponche não-alcóolico 0800. Dá pra aguentar. Faz parte da experiência.

Quando saímos de lá eram umas 5 da tarde, de volta à estação. De lá nosso trem a Helsinque sairia à noite -- portanto mais uma viagem noturna. A dormida é na poltrona, mas não é desconfortável demais se você não tiver espírito de princesa. Mas, após chegar em Helsinque de manhã, não dormiríamos mais na Finlândia. Nosso destino era mais ao leste: São Petersburgo, já em território russo.

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